Doces – Portugal
Falar de Portugal e não falar dos doces é uma heresia, abaixo um capítulo (delicioso) do livro “Enfartei em Portugal – Uma História Verídica”, vale a pena a leitura.
Como escrever alguma coisa por mínimo que seja sobre Portugal e não citar nada sobre os doces?
Impossível, chega a ser um sacrilégio, sempre a base de ovos, sobretudo a gema e açúcar, e o pastel de nata, confesso que me viciei, no primeiro apartamento que ficamos hospedados na Av. Miguel Bombarda nº 129, Avenidas Novas, atravessando a rua tinha um pequeno bar, com mesinhas na rua, era de esquina, em um lado da rua era calçadão, não transitavam veículos, então as mesinhas ficavam sob árvores, era muito agradável, serviam almoço e lanches, vinho, como não poderia ser diferente, mas que tinham um promoção permanente, cafezinho e um pastel de nata por setenta e cinco cêntimos, (€ 0,75), pronto seguidamente pegava uma moedas atravessa a rua e sentava naquelas mesas com meu cafezinho de meu pastel, delicia, ficava apreciando o movimento ou lendo um jornal da terrinha.
Aqui cabe um parêntese, os pasteis no Brasil tem outro formato, são maiores, e via de regra salgados, o mais tradicional é o de carne moída, com ovo e azeitona, apreciado com uma cerveja gelada, sucesso nacional, diferente de Portugal que são doces.
Até então pensava que esses pasteis que comia, eram os famosos pasteis de Belém, até chegar numa lanchonete e pedir um pastel de Belém, e receber como resposta do atendente, com cara séria beirando para a brabeza – “se queres um pastel de Belém, vá a Belém, ora”, virando as costas, e me deixando sozinho no balcão. De imediato me veio a mente uma reportagem que tinha visto na tv brasileira, alguns anos antes, sobre o pastel de Belém, onde era vendido e que detinha a patente do nome e só ele poderia vender e usar esse nome, assim como a Champanhe na França, o resto é espumante, saindo da lanchonete, fiquei pensando, caramba como sou burro.
Pasteis de creme todo país vende, mas pastel de Belém, o legitimo, só em Belém, bem ao lado do mosteiro onde surgiu, é que eles são produzidos com o nome original.
Vamos lá, pastel de Belém, Rua Belém 84-92, Lisboa, fácil de chegar, aproveite o transporte público. Dá pode ir de trem, pegue a linha Cascais na estação do metrô Cais do Sodré, e desça na estação Belém, saindo da estação fica cerca de 500 metros o metrô tem máquinas de autoatendimento a passagem custa um pouco mais de um euro.
Legal também é usar o Tram que são aqueles bondes elétricos, antigos e lindos, o passeio é maravilhoso, dá para ir tirando fotos, use o número 15E, que começa na Praça da Figueira, no centro próximo ao metrô Rossio, no Paço e Cais do Sodré, a passagem custa um pouco menos de 3 euros, todos os preços aproximados são do ano de 2017. De bonde desça na paragem Belém-Jerónimos.
A história dessa iguaria descrita no site do prórprio Pastel de Belém.
No início do Século XIX, em Belém, junto ao Mosteiro dos Jerónimos, laborava uma refinação de cana-de-açúcar associada a um pequeno local de comércio variado. Como consequência da revolução Liberal ocorrida em 1820, são em 1834 encerrados todos os conventos e mosteiros de Portugal, expulsando o clero e os trabalhadores.
Numa tentativa de sobrevivência, alguém do Mosteiro põe à venda nessa loja uns doces pastéis, rapidamente designados por “Pastéis de Belém”.
Na época, a zona de Belém era distante da cidade de Lisboa e o percurso era assegurado por barcos de vapor. No entanto, a imponência do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Belém, atraía os visitantes que depressa se habituaram a saborear os deliciosos pastéis originários do Mosteiro.
Em 1837, inicia-se o fabrico dos “Pastéis de Belém”, em instalações anexas à refinação, segundo a antiga “receita secreta”, oriunda do Mosteiro. Transmitida e exclusivamente conhecida pelos mestres pasteleiros que os fabricam artesanalmente, na “Oficina do Segredo”. Esta receita mantém-se igual até aos dias de hoje.
De facto, a única verdadeira fábrica dos “Pastéis de Belém” consegue, através de uma criteriosa escolha de ingredientes, proporcionar hoje o paladar da antiga doçaria portuguesa.
Os inúmeros salões decorados com azulejos estão sempre cheios de gente que vêm por causa do doce, embora a carta exiba outras iguarias, como salgadinhos e sanduíches.
Também é permitido, e vale a pena, visitar uma área onde é possível ver os doces sendo desenformados por mãos de mulheres habilidosas.
Os pastéis de nata ou os exclusivos pastéis de Belém são uma das mais populares especialidades da doçaria portuguesa a receita original é um segredo exclusivo da Fábrica dos Pastéis de Belém, e é trancada “a sete chaves” .
Sempre quando servidos, são acompanhados, por canela e açúcar que podem ser polvilhados de acordo com o gosto do freguês.
O Pastel de Belém foi eleito em 2011 uma das 7 Maravilhas da Gastronomia de Portugal.
Os vários cafés e Confeitarias espalhados por Lisboa, muitos centenários com prédios maravilhosos me fascinava, à tarde saia para caminhar muitas vezes sem rumo até encontrar uma bela confeitaria sempre repleto de pessoas sobretudo senhoras, numa aprazível conversa e comendo doces, muitas vezes acompanhado por um cálice de vinho, certa vez encontrei um desses prédios na Avenida República, claro que voltei lá várias vezes para me encantar e ficar com meus pensamentos imaginando como esses senhores e senhores conseguem viver tanto com essa quantidade de açúcar e ovos introduzidos todo o dia no corpo humano, além disso, o que para mim é o ponto negativo de Portugal, o cigarro, fuma-se muito por aqui, é impressionante, em baixo das marquises a quantidade de pessoas que descem dos prédios, homens, mulheres, jovens, formam-se um amontoado de bitucas nas calçadas, nos hospitais vi muitas vezes profissionais ligados a saúde, nas portas fumando, e o tempo que passei em Portugal não vi nenhuma campanha nenhuma tentativa de desestimular esse hábito tão nocivo, um pena.
A Pastelaria que me referi na Avenida Republica é a Versailles, li alguns comentários de internautas, como “ maravilhosa!!! Transporta-nos para Paris ou para a era de Maria Antonieta e a sua famosa frase de dar-se bolos ao invés de pão ao povo…” só que não penso que nos remete a Paris, para mim é Lisboa mesmo, com sua personalidade e encantos.
Mesmo que tenha sido fundada por um Francês a Pastelaria Versailles é uma das pastelarias históricas da cidade de Lisboa, foi aberta por Salvador Antunes, um português com formação em pastelaria francesa e apaixonado pela Art nouveau, em 25 de Novembro de 1922.
O prédio é de um requinte todo, por isso dava sempre preferencia para ficar no lado de dentro, talvez os Portugueses que moram em Lisboa e convivem diariamente com esses prédios essas tradições não se dão conta da importância, agora para nós estrangeiros ou turistas, penso que nunca ia me cansar de pelo menos passar pela frente e ficar observando.
De doce, escrevi um pouco somente sobre o pastel de nata e de Belém, Portugal tem uma tradição imensa o que daria material pelo menos para um livro somente para esse tema, vou citar apenas alguns, porém a variedade é muito grande.
Dizem os registros, que a histórica doçaria conventual portuguesa tem sua origem nos conventos e mosteiros portugueses. Como o próprio nome indica, Conventual, se deve ao fato desta categoria de receitas ter sido criada por freiras que viviam nos Conventos Portugueses há muitos séculos.
Portugal tem uma larga tradição e história nesta categoria de receitas que engrandeceu a gastronomia e cuja fama se estendeu além-mar. A Doçaria Conventual tem como ingredientes, basicamente o açúcar, as gemas de ovos e a amêndoa.
Estes doces conventuais sempre estiveram presentes nas refeições que eram servidas nos conventos, mas apenas a partir do século XV, com a divulgação e a expansão do açúcar, atingiram notoriedade. O açúcar possibilitava obter vários pontos de calda pelas mãos sábias que o trabalhavam vezes sem conta. Essencialmente por mulheres que naquela época não tinham optado por ir para os Conventos, mas sim por imposição social. Como passatempo elas começaram a aprimorar estas preciosas receitas amadurecidas com o passar dos séculos.
Entre os séculos XVIII e XIX, Portugal era o maior produtor de ovos da Europa. Curioso que as claras dos ovos eram exportadas e usadas como elemento purificador na produção de vinho branco e para engomar roupas elegantes de homens ricos por toda a Europa Ocidental. A quantidade excedentária de gemas era inicialmente colocada no lixo ou dada a animais como alimento. Até que com a chegada em larga escala de açúcar das colônias Portuguesas, um novo destino foi dado para as gemas: a inspiração mandou juntar com o açúcar e iniciar aquilo que hoje se denomina de Doçaria Conventual. Os nomes dos Doces Conventuais derivam da fé católica e da vida no interior dos Conventos.
A partir de meados do século XVIII, quando foi decretada a extinção das Ordens Religiosas em Portugal, as freiras e monges foram confrontados com a necessidade de angariar dinheiro para seu sustento. A venda de Doces Conventuais foi uma das formas encontradas para minimizar a sua situação financeira. Por isso, transmitiam, já fora dos conventos receitas as mulheres que as acolhiam. Passando de geração em geração as deliciosas receitas de doces conventuais portugueses permanecem vivas até os dias atuais. A arte conventual traz às terras brasileiras a tradição dos conventos. Cada doce desperta o paladar, resgatando o valor dos tempos. Fonte: Textos disponíveis sobre “A Origem da Doçaria Conventual Portuguesa”
Reza a lenda ainda que, devido ao grande excedente das gemas, foi criada uma espécie de competição entre mosteiros para ver quem fazia os melhores doces, somente com gema e açúcar, o sucesso começou pelos vilarejos foi se expandindo até chegar a Lisboa e toda Portugal.
Outro exemplo dessa prática secular são os famosos ovos moles de Aveiro.
Aveiro já é um pouco mais longe fica situada na região Região Centro, sub-região do Baixo Vouga, capital do Distrito de Aveiro, com cerca de 65.000 habitantes. É sede de um município com 78 450 habitantes e 197,58 km² de área, fica a 263 de Lisboa, o que fica mais difícil de chegar, mas lá foi a origem de outro famoso doce português os ovos moles, também faz parte dos doces Doces Conventuais, dizem que teve origem por volta do ano de 1502, imaginem, quando o Brasil estava sendo descoberto, a fórmula e método de produção original se deve às freiras dos vários conventos aqui existentes, tais como dominicanas, franciscanas a carmelitas, nomeadamente o Mosteiro de Jesus de Aveiro. Como sempre as gemas sobravam as religiosas utilizavam a clara de ovo para engomar os hábitos, enquanto que as gemas, para que não fossem jogadas fora, se constituíram na base para a feitura do doce.
Extintos os conventos, a fabricação dos ovos moles manteve-se, graças a senhoras educadas pelas referidas freiras. Desde o início das linhas de trem entre Porto-Lisboa, é tradicional a sua venda durante a paragem dos trens na estação de Aveiro, feita por mulheres usando trajes regionais.
E o papo de anjo tradicional na cidade de Porto, outra tradição centenária assim como a Confeitaria do Bolhão, fundada em 1896, a historia se repete, ovos, açúcar, gemas em excesso.
São muitos doces, muitas Confeitarias, cafés, pastelarias, para concluir, os não menos famosos Pasteis de Santa Clara, muito famoso em todo país, mais um doce Conventual, tem sua origem no convento de mesmo nome.
O Convento representa um momento de experimentação do estilo gótico no país. A sua fundação, é em fins do século XIII.
Agora para terminar, de verdade, o meu preferido e que não é Conventual mas popular, não há festa, aniversário ou casamento, sem um arroz doce, também conhecido principalmente no sul do Brasil, como arroz de leite. Embora muito conhecido no Brasil, não é tão popular quanto em Portugal, a origem provavelmente venha dos mouros que habitaram o território antes da independência portuguesa a partir do século XII.
O arroz-doce dá origem a uma das primeiras receitas conhecidas noutros países com a designação “à portuguesa”.
Só as receitas e história do arroz doce tem matéria para um livro especifico, quem sabe, o próximo….